Era 08:16 da manhã quando o interfone tocou, eu ainda estava totalmente enrolada por meu edredom.
Coloquei um travesseiro na cabeça como uma adolescente que ignora o chamado da mãe. Não adiantou, ele insistia em tocar.
Levantei, estava apenas de calcinha e uma blusa branca com rendas. Nem me olhei no espelho, fui até o interfone. Quando disse: Oi, ele me respondeu: Bom dia.
Meu coração não sabia como reagir, as minhas mãos começaram a suar e eu não sabia o que responder. Isso é ridículo, porque ele não foi e não é importante assim para me causar essas reações.
Ele perguntou se podia subir, eu não respondi, abri o interfone e fui correndo lavar o rosto. Não me preocupei com o cabelo, sempre gostei dele armado e bem natural.
Escutei duas batidas na porta, fui em direção a ela. Quando a abri ele estava com flores e chocolate nas mãos. Ele sabe que com flores e chocolates fica muito fácil me ganhar, nunca pensei que ele fosse jogar tão sujo assim. Ele conviveu comigo bastante tempo para usar outras estratégias.
Ele colocou os presentes em cima da mesa e se assentou em uma poltrona napoleão que fica no centro da sala, ficou me reparando.
Eu perguntei qual o motivo da visita aquela hora da manhã. Ele me disse com estas mesmas palavras: "o motivo não é você, na verdade é, mas não do jeito que você está pensando. Eu estou aqui porque gosto de ouvir suas teorias, suas reflexões, e hoje é um bom dia para isto".
A minha cara de decepção eu não consegui esconder, dei um sorriso meio de lado e perguntei qual o problema. Ele me disse que estava estressado, que a vida estava mais difícil de uma semana pra cá.
Uma semana atrás ele perdeu o pai em um acidente, ele até que superou bem. Talvez seja porque ele e o pai não tinham um bom relacionamento. O pai era autista e ele se fingia de cego, não aceitava a doença do pai, isso foi o motivo de separação entre eles.
Eu não sabia o que dizer a ele, na verdade eu sabia, mas não podia dizer. Seria muito forte pra ele. Não era o momento adequado.
Foi então que me lembrei do Caio, Dr Caio. É ele quem me escuta, quem trata o meu problema com ansiedade. Caio nunca foi um bom doutor, mais eu gosto dele porque ele nunca sabe o que dizer, e então ele não diz, me deixa descobrir sozinha.
Eu não podia tratar ele como Dr Caio me tratava, mas podia fazer com ele o que Caio não fazia comigo. Disse estas palavras a ele:
"Imagine um lugar bem bonito, bem verde, bem calmo, sons de passarinhos, cachoeira, o dia está lindo…”. E antes que ele pudesse dizer alguma coisa eu disse: Tá, eu sei que lugares assim dificilmente existem, eu sei. Existem muitas coisas que insistem em atrapalhar.
E ele disse: Mas.. Respondi imediatamente: Tá, então imagina...
Ele começou a dizer: "um…um…é…hmmm….deixa eu ver…”.
Adoro como eu sempre ganho dos terapeutas menos criativos.